Entre no clima
Tese doutoral defendida
em julho de 2021
Autora:
Lilian Machado
Clima e tempo
É muito comum que as pessoas confundam o que é clima e o que é tempo. Você já deve ter ouvido alguém falando "O clima hoje tá quente, né?".
Nessa frase, o locutor está, na verdade, falando do tempo atmosférico, que é aquele estado meteorológico passageiro que pode durar horas, ou dias, como o tempo quente ou frio.
Quando se fala de clima, portanto, estamos falando
de uma sucessão de estados atmosféricos característicos de determinado local ao longo de um período mais longo. Assim, pode-se falar, por exemplo, que o clima no sudeste do país é quente e chuvoso no verão, e frio e seco no inverno, porque essa é uma característica que, ainda que varie em sua intensidade, se repete todos os anos.
A seguir, vamos caracterizar o clima na bacia hidrográfica do rio das Velhas utilizando dados meteorológicos médios da bacia do período de 1991-2019.
As chuvas
As chuvas na bacia hidrográfica do rio das Velhas são muito influenciadas pelo relevo e pela posição latitudinal da bacia. As áreas mais altas e de superfície mais declivosa da bacia, que localizam-se na alta bacia e na serra do Espinhaço, são as mais chuvosas. Isso acontece porque o relevo elevado e rugoso aumenta a turbulência atmosférica e interfere na passagem de sistemas atmosféricos úmidos na região, gerando um efeito orográfico importante. Vale lembrar que nessas áreas estão as nascentes de importantes tributários do rio das Velhas e também sua própria nascente, contribuindo então para o volume de água no rio.

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Já as áreas próximas da foz do rio das Velhas recebem menor precipitação anual, tanto pela falta de um relevo elevado que poderia gerar o efeito orográfico, quanto pela localização latitudinal, em uma posição na qual os sistemas atmosféricos úmidos chegam com menor frequência, e quando chegam já perderam parte de sua umidade nas áreas próximas à alta bacia. Fica claro, porém, na imagem acima, que a bacia tem precipitação reduzida em seu território como um todo nos meses de maio a setembro, quando atua sobre o continente um sistema atmosférico muito estável, que inibe a precipitação chamado Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul. Esse sistema é o maior responsável pelo estabelecimento de meses secos na bacia que vão de maio e setembro, e também pelo défict hídrico que acomete a bacia como um todo durante seis meses do ano (de maio a outubro).
Após o período de seca, a precipitação aumenta gradativamente de outubro até dezembro que, junto a novembro e janeiro, consiste no trimestre mais chuvoso do ano devido, principalmente, a atuação da Zona de Convergência de Umidade que direciona a umidade amazônica para a região, e a passagens de Frentes Frias e chuvas convectivas isoladas de verão. Esses sistemas geram um excedente hídrico na bacia que pode superar os 900mm anuais na alta bacia.
A temperatura do ar
Assim como as chuvas, a temperatura do ar também está muito relaciona ao relevo na bacia do rio das Velhas. No entanto, enquanto a precipitação é maior conforme aumenta-se a altitude, a temperatura apresenta uma relação inversa. Assim, as áreas mais baixas da bacia no médio e baixo Velhas são as mais quentes, onde a temperatura média anual fica entre 20,7° e 23,4°C, enquanto a alta bacia e a serra do Espinhaço apresenta uma média de 15,7°C a 18,6°C.
No verão, a intensidade da radiação solar aumenta na bacia, refletindo na elevação das temperaturas médias. Assim, o verão caracteriza-se por um período quente e úmido na bacia, o inverso dos meses de inverno, quando as temperaturas caem e o tempo fica estável.
Por que a temperatura do ar diminui com a altitude?
Os raios solares são compostos por um espectro de ondas curtas, que não são absorvidas diretamente pelos gases atmosféricos que estão em contato com a superfície. O que acontece é que a superfície absorve a radiação solar de ondas curtas e a transforma em radiação de ondas longas, emitindo essa última de volta para a atmosfera que, aí sim, absorve essa radiação e a transforma em calor.
Os gases atmosféricos, em função da força gravitacional, tendem a se acumular próximo da superfície, tornando a atmosfera mais rarefeita conforme aumenta a altitude. Assim, quanto maior a altitude de determinado local, menor é a concentração de gases atmosféricos e, portanto, menor é a capacidade de absorção de radiação de ondas longas emitidas pela superfície, o que torna a atmosfera mais fria do que locais na mesma latitude, porém em altitudes menores.

Clima e sociedade
As características da ocupação humana do espaço na bacia hidrográfica do Rio das Velhas, junto aos padrões climáticos, gera condições que afetam a sociedade, assim como as atividades econômicas e as formas de ocupação e explotação de recursos afetam o clima em diferentes níveis. O que mais se destaca nessa relação é a Região Metropolitana de Belo Horizonte que, em seu conjunto, gera climas urbanos onde o comportamento térmico atmosférico e os gases atmosféricos são influenciados pela alteração da superfície causada pelas atividades industriais, o fluxo de veículos, a impermeabilização, dentre outras características urbanas. Por outro lado, na RMBH é comum nos períodos chuvosos a ocorrência de enchentes ocasionadas pela ocupação e retificação de leitos fluviais associado aos elevados totais pluviométricos nessa época do ano. Já no período seco, é comum a preocupação em torno da segurança hídrica da capital que dependente, em cerca de 70%, da captação superficial feita na alta bacia no município de Nova Lima. Nesse período é comum a redução da vazão do Rio das Velhas em função do défict hídrico que acomete toda a bacia.
Já no baixo Velhas, além dos problemas com cheias no período chuvoso nos núcleos urbanos que ocupam as várzeas, a demanda hídrica para as atividades agropecuárias e a silvicultura preocupam quanto à disponibilidade da água, sobretudo nos períodos secos do ano quando muitos cursos d'água na região se tornam intermitentes.
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